domingo, 6 de junho de 2010

Vagões para mulheres: prevenção ou segregação?

>>> por Danilo Moreira


A origem dessa crônica surgiu num debate de sala, lá na faculdade, na aula de Ética, quando uma aluna levantou uma questão polêmica: ela defendia a separação de vagões apenas para mulheres no metrô de São Paulo, como uma medida para evitar o assédio sexual que infelizmente ainda sofrem, não só nos trens do metrô, mas no caótico transporte coletivo da cidade.

Esse problema é antigo. Quem não viveu ou conhece alguém que já viveu esse tipo de assedio?

Uma das primeiras cidades brasileiras a adotarem esse novo sistema de separação de vagões foi o Rio de Janeiro, em vigor desde 26 de abril de 2006. Projeto do deputado Jorge Picciani (PMDB), previa que empresas administradoras de trens e metrô da capital carioca deveriam destinar vagões exclusivos para mulheres nos horários de maior movimento – das 6h às 9h, e das 17h às 20h. O projeto na época gerou polêmica. Em uma reportagem publicada no site Terra em 24/04/2006, Rogéria Peixinho, coordenadora da Articulação de Mulheres Brasileiras, entidade que reúne mais de 200 ONG’s e associações de mulheres por todo o país, afirmou que "Separar homens e mulheres é como voltar atrás na luta feminina que sempre buscou a igualdade e a convivência entre os gêneros. Parece o tempo da minha avó, quando se achava melhor separar meninos e meninas até mesmo na escola". Além disso, ela também alertava para o risco no aumento do desrespeito com as mulheres caso procurem outros vagões, ou seja, como alvo de deboche por parte dos homens.

No primeiro dia, segundo reportagem publicada no site Gazeta do Povo, em 25/04/2006 muitas reclamações. Homens desavisados entravam nos vagões. Muitas mulheres já os coagiam, algumas em tom de humor, outras ao meu ver até mesmo com arrogância “Ô moço, aqui só pode entrar mulher, não está vendo o aviso rosa?”. Alguns homens até reagiam em tom de brincadeira (“O vagão é exclusivo para mulheres? Então tá, eu saio, mas vou levar três mulheres comigo”, “E se for homossexual assumido, pode andar nesse vagão?”). Algumas mulheres também criticaram a medida (“Tem gente que não pode se dar ao luxo de esperar um vagão vazio. A pessoa tem hora pra chegar no trabalho e vai entrar no primeiro que der, mesmo que seja o feminino. O mesmo vai acontecer com os portadores de deficiência.(...) Aliás, eles [os homens] devem estar se sentindo injustiçados já que nós, além de termos um carro exclusivo, também podemos entrar nos outros vagões”). Em 2009, foi a vez de Pernambuco propor essa lei, projeto do democrata Maviael Cavalcanti, porém até o momento ainda não foi aprovado.

Me recordo de um filme produzido em 1978, chamado A Dama do Lotação (conto de Nelson Rodrigues), onde em uma cena de ônibus um homem barbudo "encoxa" a tal dama (interpretado por Sônia Braga). E detalhe: somente eles estavam em pé. Só que nesse filme, a tal dama simplesmente adora o assédio. Isso mostra a cultura machista e absurda de que “mulher gosta mesmo é de homem safado, que chega chegando”.

O resultado desses estereótipos são várias injustiças. Além da falta de respeito com a mulher, há também o outro lado: o homem que por estar numa posição muitas vezes forçada pela lotação, às vezes até mesmo constrangido, acaba por já ser taxado de sujeito de más intenções. E não é por ser homem que eu estou dizendo isso, digo por já ter presenciado casos assim, e não adianta alguém dizer: ah, duvido que ele não se aproveitou” Nem todo homem, pelo menos os que tem mais maturidade, vivem “caçando por fêmeas, como um animal no cio, 24 horas por dia”. Convém também dizer que existem homens, adolescentes, que também são assediados por outros homens, bem como mulheres que são assediadas por outras mulheres, e até mesmo crianças. E todo esse pessoal, então também deveria ser separado?

A questão é complexa. Defendo uma postura das autoridades em fiscalizar e prevenir esse tipo de desrespeito, mas aplicar políticas como essa, que ao meu ver é preventiva mas segregacionista, demanda de um maior planejamento e maior discussão na sociedade, pois é complicado reparar uma injustiça criando novas injustiças, mesmo que a solução seja emergencial. Acredito também que se tivéssemos um transporte adequado à quantidade de usuários (não só em São Paulo, mas em todas as grandes cidades), já diminuiria e muito esse tipo de assédio, já que as pessoas estariam mais visíveis, e portando, quem tivesse com más intenções já seria mais facilmente identificado e punido.

É engraçado eu, como homem, escrever sobre um assunto que talvez fosse mais adequado a uma mulher escrever, ainda mais se fosse uma que sentiu o abuso na pele. Mas senti um incômodo ao ver mulheres tratando sobre esse assunto (em vários locais) numa ótica do senso comum do “todo homem não presta”.

E você, é a favor ou contra os vagões exclusivos para as mulheres?

Tenha uma ótima semana!!

FONTES:
http://noticias.terra.com.br/brasil/interna/0,,OI976573-EI306,00.html
http://www.gazetadopovo.com.br/brasil/conteudo.phtml?id=557967
http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u119282.shtml
http://www.sinfer.org.br/site/ultimas_noticias.asp?id_noticia=14435708&id_grupo=1&id_canal=1&p=8
http://g1.globo.com/Noticias/Brasil/0,,MUL1124815-5598,00.html

FOTO:
http://alteriuris.files.wordpress.com/2009/07/cas50t8n.jpg

4 comentários:

  1. Texto sensacional. Muito bem escrito, explicativo e bastante informativo. parabéns, Danilo.

    Guilherme Peace

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  2. Me recordo desta aula e, no momento, preferi não opinar, mas fui completamente contra a posição adotada pela nossa colega.
    Assim como você eu acredito que separar vagões é algo que aborda a segregação, as diferenças de gênero e a ideia pré-moldada na cabeça da maioria das mulheres, de que todo homem é safado.
    Não é bem assim. Há aqueles que se aproveitam, de fato, mas há muitos que estão ali na mesma situação que nós, mulheres, apenas vítimas do descaso e obrigados a enfrentar aquela enorme população que utiliza esses meios de transporte.
    Sem contar que essa separação deveria ser estudada e aplicada por profissionais adequados, com estrutura apta ao desenvolvimento e ótimo planejamento. Mas se nem para as coisas menos complicadas temos esse bom planejamento, que dirá para algo que exige tantos de nossos governantes?
    Sou contra a separação de vagões, definitivamente!

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  3. Tbm sou contra a separação de vagões... não há l´gica em separar aquilo que as mulheres lutaram tanto para conquistarem: igualdade entre os sexos!

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  4. Nem é preciso falar do autor deste texto que respeita até as fontes divulgando-as, simplesmente ótimo...

    Em relação ao conteúdo. Creio que a solução está bem distante do alcance de todos, pois é um problema crítico. Tanto por parte dos homens, devido na maioria das vezes ao machismo, quanto pelo lado das mulheres que em grande maioria (ao que tenho observado), não sabe mais se é observada com respeito a sua beleza ou com desenfreado desejo sexual. Numa sociedade, aparentemente perdida em seus valores humanos (ao meu ver segregados), no qual todos aprendem a ser mercadorias à venda no mercado do sexo, mesmo que sem perceber, de modo involuntário e individualista, mal percebe que o caminho é a propagação igualitária de conhecimento que gera conceitos de igualdade, ou seja, aprender que somos todos diferentes, mas que existe um elo que nos torna iguais, nossa humanidade que contém ingredientes para fortalece-la, entre algumas está o respeito, a sabedoria, a empatia e uma das mais importantes ao meu ver, "amar teu semelhante como ama-te à ti mesmo".

    Marcio Andrade.
    Só... L. Sol...

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