*Por Bruna Sousa
Isso aconteceu em junho de 2001. Eu tinha apenas 10 anos de idade. Meses antes havia escrito um poema ao qual intitulei de Que país é este?, sem antes saber que meu aclamado ídolo Renato Russo havia musicado letra de igual título. Na época eu conhecia bem pouco as palavras. Mas já havia em mim certo encanto em seus efeitos, em seu sentido e sua representação. Voltando àquela cena, em meus dez anos de idade, na biblioteca do colégio, eu procurava um livro que me preenchesse o vazio que eu, ainda na pouca idade, sentia em relação à sociedade que eu vivia. Procurava e nada encontrava. Lembro-me de percorrer as prateleiras lotadas de Monteiro Lobato, Marcos Rey, Ana Maria Machado, Lygia Bojunga Nunes, Eva Furnari, Marina Colasanti, Ruth Rocha, Pedro Bandeira e Ziraldo. Aquela seção já não era suficiente para mim. Passei para o outro corredor: romance.
Ao meu lado estava minha amiga de longos anos, que mesmo sem entender as coisas que pela minha cabeça passava, me acompanhava em tudo. Ela ofertou-me um livro que escolheu, aleatoriamente, naquela prateleira. O livro era velho, edição de 1952, sem capa, com pouco mais de 440 páginas, da Editora Jackson. Na primeira página havia uma fotografia do autor reproduzida com o cuidado de não retirar a impressão de antiga. Minha amiga, ao que me pareceu, escolheu por humor. Mas aquele aspecto me encantou. A impressão que tive foi de um livro renomado, passado como relíquia riquíssima por entre várias gerações. Ao folhear lentamente as páginas encardidas de sucesso enterro meus olhos numa frase que, apesar de não compreender ainda o contexto, permitiu-me uma súbita paixão por aquele objeto: "Olhos de cigana oblíqua e dissimulada". Sim, meus caros, o livro que vos falo é Dom Casmurro, de Machado de Assis.
Saí daquela biblioteca com o livro na mão, encarando-o com veemente paixão. Li-o em apenas dois dias, até menos que isso. Encantei-me com cada palavra, com o estilo do autor, com o português que a editora manteve original, com a história triste e enigmática. Era de uma autenticidade que eu não poderia jamais imaginar, com os capítulos bem divididos e segmentados. Esse livro mudou a minha vida. Não descreverei aqui a sinopse, nem tampouco comentarei os detalhes, mas devo dizer-lhes que se ainda não leu, está perdendo a chance de conhecer uma das maiores obras literárias do mundo. A riqueza nas palavras remete-me a uma sociedade machista, porém encantada com a beleza feminina, na pele da dissimulada Capitu. Esta revela-nos a delicadeza e a esperteza da mulher, embasada nos princípios da imaginação de seu marido Bentinho. Sim, a história me encantou, mas devo dizer que apenas a história não foi suficiente. Descobri que esta obra era a terceira de uma trilogia do autor. O primeiro livro, intitulado Memórias póstumas de Brás Cubas, a princípio, representou em mim certa confusão. Sendo narrado pelo falecido, a obra é carregada de pessimismo e melancolia, como se vê em certo trecho: “Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria”. Logo após veio o filósofo Quincas Borba: “Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas”.
Um período muito conturbado em minha vida. Minha passagem dos dez para os onze anos foi marcada pela paixão imatura pelo digníssimo autor. Enquanto me tomava forma de adolescente, fui apreciando outras leituras não apenas de Machado, mas de autores contemporâneos a ele. Logicamente, nenhum me encantou tanto quanto este cético mestre. Enquanto me dava por gente em minha juventude, fui conhecendo o mundo de 1808 até o século XXI: A chegada da família real no Brasil, a criação da Imprensa Brasileira, o surgimento de grandes autores clássicos, a República, a chegada do homem à lua, os meninos de Liverpool, a música dos anos 60, 70 e 80, as revoluções, o Golpe Militar, as vanguardas européias, o assassinato de John Lennon, as transformações do sistema, o American Way Life colidindo com o resto do mundo, o efeito estufa, as ambições, a política mal-intencionada, os grandes feitos da humanidade, a crise econômica mundial, a falta de solidariedade e a incoerência humana. Acompanhei a todos esses fatos e descobri que de tudo queria fazer parte. Pessimista como meu Mestre de Alma, eu ansiava por escrever sobre todos os problemas que construímos na Terra. Nada mais justo que o Jornalismo para tal feito. Devo ao velho Machado de Assis minha escolha de profissão, o caminho que resolvi seguir.
Querendo saber mais sobre a vida do Mestre, passei pela biblioteca da faculdade e peguei o livro A vida de Machado de Assis, escrito por Luiz Viana Filho. Terminei de lê-lo hoje e encontrei em Machado mais semelhanças com a minha pessoa. Seu pessimismo e timidez me trouxeram a certeza de que não há ninguém mais que eu queira como exemplo senão esse grande homem, porém, quem me dera chegar a um por cento de sua inteligência e capacidade. Nossa semelhança se separa no ato de escrever. Machado escreve o que observa, eu escrevo o que vivo. Sua vida literária fora muito rica e sua vida pessoal fora cercada por amigos e uma esposa que muito o amou, apesar de este ser “tão feio quanto inteligente”, como disse Carolina quando o conheceu. Perdeu sua mãe muito cedo e seu relacionamento com seu pai não foi dos melhores. Não teve filhos, assim como Brás Cubas, mas diferentemente deste, ansiou por herdeiros por toda a sua vida, principalmente em seu fim. Em vida não teve o merecido reconhecimento. Funcionário público, ganhava muito pouco, e mal podia se sustentar. Ajudou a fundar a Academia Brasileira de Letras e foi eleito seu primeiro presidente. Sim, este é meu herói.
Nossa, o meu herói de infância era o Flash; já o dessa metida era o Machado de Assis.
ResponderExcluirha ha ha...
Acho que não preciso falar que adorei o texto, não é mesmo?
Aliás, como sempre.
Ótimo post.
Chega até a me causar inveja.
E como diria o Mestre #Zamagna: “Que invééééééééja”.
Adorei.
Gilmar Ribeiro (piu!)
@gilmarrpiu
Bruna, o seu post foi tão maravilhoso e delicado que foi como se ao fundo eu pudesse ouvir um som de piano.
ResponderExcluirSorte teve você de descobrir Machado de Assis e não de ser empurrado para ele, como geralmente acontece na maioria das escolas.
Eu mesmo li nesse período Memorias Postumas, e costumei a entendê-lo. Achava nessa época que seus livros "cheiravam a sepulcro". Porém foi num belo dia em que desabafei para a minha professora de portugues sobre a dificuldade em entendê-lo, e ela me disse "Nem sempre o livro é confuso, talvez somos nós que ainda não conseguimos entendê-lo", e me aconselhou a ler as obras depois de algum tempo. Dito e feito. Li Memoria e outras obras, inclusive Dom Casmurro. Nao vou dizer que Machado é um dos meus autores preferidos, mas hoje entendo e vanglorio a sua genialidade. Talvez se outros alunos ouvissem essa dica da professora, Machado seria menos temido nos tempos da escola...rsrs
Parabéns pelo post!!! Voce como sempre escrevendo muito bem!! Sou seu fã!!rsrs
Bjs!!!
Danilo Moreira
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirMARAVILHOSO!
ResponderExcluirParabéns! Você escreve muito bem! Mas que isso, encanta ler seu post. Eu tabém adoro Machado de Assis. Dom Casmurro eu nunca li, mas conheço toda a história, parece que eu li o livro umas dez vezes... rsrsrs
Meu herói de infância, acho que foi os Backstreet Boys, e não tem nada de gênio nisso!!! Mas fazer o quê? ainda sim eles são demais.
Bjosssssss
Paty
Machado...
ResponderExcluirNunca sairás de minha vida...
Nos caminhos ao qual andei...
Teu nome pronunciei...
Também ouvi, por diversas vezes...
Este nome ser comentado...
Do mais leigo ao mais Doutorado...
Machado foi, é e sempre será...
Um ser (com suas obras), VENERADO...
PARABÉNS BRUNA!!!
Um exímio texto a altura do mestre Machado!
Márcio Andrade.
Só... L. Sol...
Meu herói era o Ranger branco, rsrs
ResponderExcluirÓtimo texto Bruu
Conheço essa sua amiga?
Eu tbm amo Machado, mas vc sabe, né?
ResponderExcluirTenho preguiça em ler.
Mas me lembro de vc, naquelas tardes, em que a turma se reunia para irmos à praia, e vc sempre recusava, pq estava endo um livro bom... de todas as vezes que eu te chamava, o nome da desculpa era Machado.
Agora entendo o motivo de tanto apreço.
Vc tem mto talento e agora sei que vc só estava moldando esse talento.
Agora ele vem lapidado, e brilhante no palco de tantos outros grandes nomes... o seu ainda é bem pequeno, mas tenho certeza de que um dia ele será grande, como seu coração e seu talento!
Parabéns